FEZ
ZUADA NO SERTÃO
Lá pra umas bandas do sertão, também
conhecida de Caatinga, o cabeça-vermelha estava totalmente desorientado, voando
de um lado para outro, parecendo que tinha visto uma assombração. Esse belo
passarinho em desespero era conhecido por seus amigos como Tino, e voar sobre o
sertão, observando tudo o que acontecia, era o que ele mais gostava.
Parando um pouco para descansar,
Tino pousou em um pé de umbu e ali debaixo, comendo as frutas caídas no chão,
estava o seu Mocolino, um mocó bom de conversa, renomado na região pelos seus belos
cordéis.
Vendo o cabeça-vermelha todo
ofegante e com cara de quem tinha visto assombração, perguntou:
- Que desespero é esse
companheiro, sentou no formigueiro? Ou comeu fruta estragada? Tá com diarreia
meu camarada?
Tino ainda ofegante começou a
falar:
- Oxente seu Mocolino, nada
disso e nem são horas para brincadeiras! É que voando pelo sertão avistei
monstros gigantes de 3 braços, que estão invadindo nossas terras. Eles são bem
grandes, grandes mesmo e ficam com os braços girando quase o tempo todo.
- Rapaz, monstros gigantes, de 3
braços, girando quase o tempo todo, tu achas que sou tolo? Só falta tu me dizer
que eles devoram criancinhas inocentes e capturam velhinhas sem dentes.
E o seu Mocolino caiu na
gargalhada: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...
Tino, magoado pelo deboche do
mocó, bateu asas em retirada e foi procurar outro bicho que acreditasse no que
ele tinha visto.
Perto de umas pedras, pronta
para dar um bote no grilo, estava a dona Corrinha, uma cobra que não dispensava
uma boquinha.
Mas com a chegada repentina de Tino,
dona Corrinha se distraiu e perdeu de vista o seu almoço. Ficou toda aperreada e já foi logo
reclamando:
- Oh seu desmantelado! Tu acaba
de atrapalhar o meu almoço. Logo hoje que eu tinha encerrado o meu regime. Tá
de brincadeira? Tá de brincadeira?
- Me perdoe dona Corrinha, mas é
que todos nós estamos em perigo. Logo seremos atacados pelos monstros de 3
braços. Estamos em perigo! Estamos em perigo!
- Monstros de 3 braços? Que doideira
é essa? Tá ficando doido é? Tá ficando abestalhado é?
- É sério. Juro que estou
falando a verdade.
- Nãmmmm! Que história é essa,
não vou cair na sua pegadinha. Já sou bem grandinha para acreditar em histórias
de monstros. Ainda mais em monstros de 3 braços. Me poupe! E vê se não me
atrapalha mais na hora do meu almoço. Tá entendendo?
Como a dona Corrinha não quis
mais conversa, Tino ficou chateado e bateu asas em retirada, saiu sem rumo e
sem saber se alguém acreditaria no que ele tinha visto.
Voando mais a frente, em uma
parte de mata mais fechada, Tino viu um bando de macacos-pregos pulando de
galho em galho fazendo muito barulho. Tino preferiu não se aproximar. Mais curtidores do que esses macacos, no sertão não
existia. Se o seu Mocolino e a dona Corrinha não acreditaram, com toda certeza
a turma dos macacos também não acreditariam.
Se sentindo sem credibilidade
para falar o que tinha visto, Tino preferiu não contar mais nada, mesmo tendo
visto pelo sertão outros bichos como: cachorro do mato, sapo-cururu,
calango-verde, teiú, cobra-de-duas-cabeças, coruja-buraqueira, quero-quero,
jaritataca, saguis, bando de arribaçãs, anu-branco, gato-mourisco e tantos
outros.
Até que mais frente, empoleirado
em uma cerca, estava o seu Zeca, um urubu-de-cabeça-amarela, olhando para o
horizonte todo preocupado. O pequeno cabeça-vermelha pousou ao seu lado e puxou
conversa:
- Tudo bem seu Zeca? Tu tá muito
agoniado? Aconteceu alguma coisa?
- Não. Não está nada bem.
Estamos com um problema. Um problema grande. Um problema bem grande, um
problema do tamanho do sertão.
- Oxente! Pois me diga! É um
problema bem grande mesmo. Pelo jeito bem mais problemático do que os monstros
de 3 braços que eu avistei hoje de manhã.
- Tu também viu Tino? Tu viu
aquelas coisas? O que faremos agora? Já não bastava termos esses tempos de
seca, com pouca chuva, e agora temos que enfrentar aquelas coisas gigantes. Eu
fiquei observando de longe, mas deu pra perceber que é mais uma invenção dos
humanos, inventaram aquelas coisas gigantes para tomar o nosso sertão, a nossa
casa, o nosso lar.
E o seu Zeca se pôs a chorar:
Buá, buá, buá...
Mas Tino, com um tom de
animação, teve uma ideia:
- Calma seu Zeca! Ainda não é o
fim de tudo. Vamos dar um jeito. Vamos convocar uma reunião extraordinária
nível máximo com toda bicharada e vamos enfrentar aqueles monstros de 3 braços.
Não daremos por vencidos tão facilmente.
O seu Zeca concordou com a ideia.
E os dois foram juntos cumprir essa missão: juntar a bicharada para uma reunião
e decidirem como enfrentar os monstros de 3 braços dos humanos.
Com a notícia espalhada por toda
o sertão, não demorou muito para juntar toda a bicharada em uma área aberta,
com mandacarus, quina-quina e xique-xiques em volta.
Tino empoleirou em um mandacaru e
falou alto para todos ouvirem.
- Minha gente, todos já sabem
dos monstros gigantes de 3 braços que estão invadindo nosso sertão. Também já
sabemos que são os humanos que trouxeram aquelas coisas para cá. Nós não
permitiremos que essas coisas tomem nossos poleiros, nossas tocas, nossas
matas. Esse é o nosso lar, é a nossa casa. Quem está comigo? Quem está comigo?
E a bicharada começou a gritar,
como se estivessem prontos para guerra. Pois estariam defendendo o que eles
tinham de mais precioso: o sertão que era a sua casa.
Quando de repente! Quando der
repente! Quando de repente! Só mais uma vez. Quando de repente! Um bicho que era
difícil de se ver no sertão apareceu. Muitos achavam que nem existia, mas
apareceu na reunião da bicharada e pediu para falar:
- Calma gente! Pra quê essa
zoada toda? Não é bem isso que estão pensando. Não estamos perdendo nossas
casas, podem ficar tranquilos.
Esse sujeito que apareceu,
querendo acalmar todo mundo era o Muça, um jaboti-d’água, um bicho pequeno que
fica quase o tempo todo escondido. É daqueles que prefere ficar sozinho. E
gosta de uma boa soneca. De manhã, de tarde e de noite.
- Meu povo, vou explicar o que
são aquelas coisas. Que para começar não são monstros. São máquinas. Os humanos
chamam de aerogeradores, e como todos sabem, nesse lado do sertão venta muito,
e por causa desse vento, aqueles braços, que os humanos chamam de pás
aerodinâmicas, giram e produzem energia elétrica. É uma forma que os humanos
encontraram para produzir energia elétrica causando menos danos no meio
ambiente. Eles chamam de energias renováveis. Fiquem todos sossegados. Todos
estão seguros, são e salvos.
E em um grande coro, a bicharada
fez um:
-Aaaaaaahhhhhhh!
Então Tino falou:
Oxente! Se é assim, não
precisamos enfrentar aquelas coisas. Que bom! Sou contra qualquer tipo de
violência. Meu lema sempre foi paz e amor! Mas me diga Muça, como tu soube de
tudo isso?
O Muça esclareceu:
- Bom, eu estava lá por perto,
quando as construções começaram. No início também fiquei com medo e então me
entoquei debaixo de uma pedra. E entre
uma soneca e outra, por alguns dias, fiquei ali, entocado, observando e
escutando tudo que os humanos falavam.
Então o seu Zeca perguntou
bastante encabulado:
Oxente! E desde quando tu
entendes a língua dos humanos?
O Muça já fazendo bocejo,
respondeu:
- Num sei, só sei que foi assim!
FIM
Autor:
Julimar Andrade Oliveira